I. Se comparar os livros ilustrados da minha filha (2017) com os meus (anos 80), apercebo-me que o género já não condiciona a escolha de uma profissão – felizmente!
Deixo uma sugestão aos leitores, passem os olhos no livro “Todos fazemos Tudo” da editora Planeta Tangerina e vejam as diferenças: as enfermeiras já não são só mulheres, assim como os marinheiros já não são só homens.
Na sociedade ocidental podemos escolher a nossa profissão em liberdade, mas há ainda um caminho a fazer e a melhorar.
Foi em 2009 que me mudei, temporariamente, para a Dinamarca, porque percebi que lá havia muitas ceramistas-mulheres (não me esqueço que em Portugal também havia ceramistas-artistas-mulheres, como Sarah Afonso, Maria Keil, Rosa Ramalho, e ainda há ceramistas-artistas-mulheres como Teresa Pavão, Bela-Silva, Anna Westerlund, Sofia Magalhães, para nomear algumas), enquanto que em Portugal, os oleiros do Alentejo, que muito admiro, me diziam que as mulheres estavam destinadas a fazer o trabalho decorativo e de acabamento (pintura, colagem, etc.) dentro de uma olaria.
Não quero ignorar as diferenças fisiológicas e biológicas do género, nem quero entrar nesta discussão, mas acredito que podemos (e devemos) ter a profissão que queremos.
“Não me canso de explicar à minha filha que trabalho no atelier, que tenho clientes e fornecedores, que tenho um horário a cumprir e objectivos a alcançar – para ter a certeza que ela não vai fazer distinções entre profissões um dia mais tarde.”
II. Algumas profissões parecem não ter lugar no senso comum das pessoas, talvez por serem menos habituais, menos valorizadas (também do ponto de vista da remuneração) e por não pertencerem ao “estatuto das Grandes profissões”: o advogado, o arquitecto, o médico, o engenheiro, etc. Essas “outras profissões” existem, mas são muitas vezes desvalorizadas e chamadas de “um género de profissão” e eu parece que escolhi uma dessas: ceramista.
Em 2010, quando regressei a Portugal, foi difícil convencer-me (e convencer os outros) que ia ter este “género de profissão” e que ia contrariar o que os oleiros-homens me haviam dito (sem maldade): “Ó menina Margarida, para ter este ofício já devia ter começado aos 6 anos de idade”.
Não me conformei: trabalhei e trabalhei e consegui mostrar que este “género de profissão” também tinha rosto, corpo e esqueleto (espaço, objectivos e resultados).
Hoje em dia, no ano 2022, a profissão ceramista deixou de ser uma “um género de profissão” e passou a estar na moda, foi até descrita como “a yoga dos ofícios” – seja lá o que isso quer dizer. Tudo o que está na moda é perigoso, porque as modas passam, mas eu quero continuar a ter esta profissão!
“Foi em 2009 que me mudei, temporariamente, para a Dinamarca, porque percebi que lá havia muitas ceramistas-mulheres.”
Não me canso de explicar à minha filha que trabalho no atelier, que tenho clientes e fornecedores, que tenho um horário a cumprir e objectivos a alcançar – para ter a certeza que ela não vai fazer distinções entre profissões um dia mais tarde.
Escrito por: Margarida Fenandes.
Foto: Makiko Murase.
Este conteúdo está apenas disponível em português.