Escrito por: Maria Carnall
O seu caracter megalómano de mediador entre humanidades e ciências, engenharia e arte, resulta numa área que se define em certezas incorretas e generalizações vagas. Desta forma garanto-me um discurso defeituoso no seu narcisismo (não meu, mas inerente à escrita sobre DESIGN) e tento definir o que é, para mim, design e as diferentes formas em que ele intervém no mundo.
Design é folhetos e websites, cadeiras e próteses, carros e performances. Em todas estas roupagens, intervém de forma diferente, com objetivos, metodologias e resultados diferentes.
“O impacto do projeto nem sempre é proporcional à sua dimensão: número de pessoas e recursos utilizados. Quando se projeta a uma escala pequena, principalmente a nível social, pode existir um impacto desmedido na vida dessa comunidade por se projetar para um caso específico, o que torna o projeto mais íntimo.”
O processo começa num contexto onde existe uma vontade para projetar. O designer tenta compreender este espaço, pondera-o até chegar a diretrizes que refletem os seus princípios. A intenção da intervenção nasce aqui. Com o desenvolver do projeto, a pureza do propósito inicial é corrompida por compromissos necessários à existência de qualquer tipo de intervenção. Esta perversidade é natural, imprescindível e deve, conta, peso e medida, ser compreendida. A coerência está perto de ser sinónimo de extremismo. Desta forma projeta-se um carro ecológico, uma cadeira ergonómica, um website aliciante.
A dimensão e a visibilidade do projeto são aspetos significativos para a compreensão das diferentes formas em que um projeto pode intervir.
O impacto do projeto nem sempre é proporcional à sua dimensão: número de pessoas e recursos utilizados. Quando se projeta a uma escala pequena, principalmente a nível social, pode existir um impacto desmedido na vida dessa comunidade por se projetar para um caso específico, o que torna o projeto mais íntimo.
A visibilidade da intervenção não está necessariamente relacionada com o seu impacto. A seleção de um material mais local para a construção de um objeto produzido em massa ou uma pequena alteração no sistema de transportes públicos, como a mudança da tipologia de MUPIS expostos, têm um impacto económico, ecológico e social na comunidade afetada, sem a mesma ter total consciência que a mudança foi projetada.
“Design é folhetos e websites, cadeiras e próteses, carros e performances. Em todas estas roupagens, intervém de forma diferente, com objetivos, metodologias e resultados diferentes.”
No design de intervenção a visibilidade parece-me um aspeto vital ao impacto da obra, consequência de ser muitas vezes efémero. Uma das suas funções principais é comunicar a intenção, preocupação, perceção do autor ao consumidor. Resulta num projeto mais transparente e honesto, idealmente, mais puro nas suas convicções. Menos ligado à função de um uso exaustivo, mais ao significado da forma. Apropria-se de símbolos carregados de significado para expressar uma sugestão de mudança. Semelhante à música de intervenção, talvez até à pichação, é muitas vezes um ato de rebeldia contra o próprio design. Existem espaços onde se pondera o que separa este tipo de design da arte. É um debate comprido, inconclusivo e antigo, do qual não tenho interesse.
Ilustração: Maria Carnall
O trabalho de Pedro Lobo, “Kinky ceramics” ou a “hunger appreciationstation” de Marije Vogekzang são bons exemplos da minha interpretação deste conceito. Ambos falam sobre temas dissimulados pela sociedade. Marije desenvolve um objeto que emita uma das sensações causadas pela fome, Pedro abule a barreira de repúdio pelo fetiche da BDSM,
aplicando artefactos e técnicas naturais à pratica, em peças de tipologia tradicional da cerâmica portuguesa. São agentes disruptivos numa sociedade conservadora que se descompromete de realidades distintas à própria.
Design provém de uma intervenção que se rege pela preocupação ética ao invés da estética. Como resultado, todo ele é interventivo.
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