Quem faz a sua formação no mundo das artes tende a praticar um ofício não remunerado, apenas criativo. Há pudor em falar de dinheiros ou formas de sustentar a criatividade, esse é um tópico que dificilmente é abordado e de preferência nem se fala, o universo artístico não se compadece com esses temas mundanos. Venham eles da música, do cinema, das artes plásticas ou design, estar longe das burocracias e das papeladas é a oportunidade de não pecar e não falar do negócio. Negócio é uma palavra da qual se esconde e não assenta bem nas hostes das artes.
A formação de um designer industrial em Portugal, salvo raras excepções, acontece no mesmo caminho da formação artística, aprendemos muito bem a História de Arte, a Forma Visual, a Geometria Descritiva e o Desenho como ferramentas essenciais à metodologia de projecto. A aprendizagem dos softwares e a prática construtiva nas oficinas complementam o resultado físico desse projecto. A maior parte dos critérios de avaliação de uma pessoa formada nestes cursos assenta quase exclusivamente no valor estético/semântico das suas propostas, promovendo o estatuto autoral de cada indivíduo. A academia forma os seus alunos à sua imagem e semelhança, afastada do conhecimento prático, fantasiando sobre o mundo lá fora, centrada em si mesma e alheia a qualquer necessidade de produzir valor comercial na sua investigação.
“Sem menosprezar a aportação estética que habitualmente esperamos dela, esta é a oportunidade de deixar de fazer só bonecos e afirmar o design industrial como uma disciplina geradora de conhecimento e valor mesurável no crescimento dos negócios das empresas.”
Foi nestas circunstâncias que fui formado, os modelos de negócio em design industrial que conhecia quando saí da faculdade eram os de ir trabalhar para um atelier, uma agência, uma fábrica e se fosse muito maluco, trabalhar por conta própria seja lá isso o que for. Nesse momento o único trunfo que temos para oferecer ao mercado é a nossa excepcional qualidade sensorial de entender o mundo que rapidamente esbarra no pragmatismo dos departamentos de marketing, com o rigor dos chatos dos engenheiros e ainda com o burro do cliente que não entende a nossa arte tão valorizada há uns meses atrás.
Felizmente tive a sorte de iniciar o meu percurso profissional fora do país, não que não tivesse chegado às mesmas conclusões se fizesse esse mesmo percurso em Portugal, mas a abundância de exemplos de negócios assentes nas formação em design em Barcelona, agilizaram e aceleraram a assimilação de outras formas de sustentar esta actividade. Aos olhos de hoje até parece ingénuo, na altura não me passava pela cabeça que alguém pudesse por exemplo, sustentar a sua actividade criativa apenas com a cobrança de royalties. O contacto com a elaboração das propostas, o desenvolvimento dos projectos, a gestão de equipas e a interacção com os diferentes intervenientes produtivos na elaboração de um novo produto, forçaram um rápido entendimento sobre aquilo que faço, para quem faço, como faço, porque razão o faço e o valor que esse conhecimento tem.
“A academia forma os seus alunos à sua imagem e semelhança, afastada do conhecimento prático, fantasiando sobre o mundo lá fora, centrada em si mesma e alheia a qualquer necessidade de produzir valor comercial na sua investigação.”
Para qualquer empresário, esta forma de abordar uma ideia de negócio representa um princípio básico e elementar na abordagem a qualquer oportunidade, mas para quem vem das artes é todo um bicho de sete cabeças. Contudo não deixa de ser curioso assistir há uns anos para cá, ao surgimento de muitas Startups que povoam os “hubs criativos” por este mundo fora, quase todas elas provenientes de um Business Model Canvas qualquer, com ideias de negócio super estruturadas, com investidores, fornecedores, canais, valor, stakeholders e mais nomes em inglês, que atraem criativos desorganizados e malta mais sisuda de gravata a partilharem a mesma linguagem, o Design Thinking. E pergunto-me, afinal o design que nem sabia como viver de si próprio é o mesmo que possibilita a geração e organização de novos negócios? Permite aos criativos organizarem as suas ideias e aos mais quadrados, saírem fora da caixa? É um fenómeno! Colocar o humano no centro do desenvolvimento de novas ideias nunca me pareceu uma ideia nova, mas é. Os Post-it nunca tiveram tanto sucesso! Como é possível? Nós aqui tão perto desse conhecimento sem saber usá-lo nem o que fazer com ele… se até agora o único valor que tínhamos era definir os raios dos boleados mais bonitos de uma cadeira?
“O contacto com a elaboração das propostas, o desenvolvimento dos projectos, a gestão de equipas e a interacção com os diferentes intervenientes produtivos na elaboração de um novo produto, forçaram um rápido entendimento sobre aquilo que faço, para quem faço, como faço, porque razão o faço e o valor que esse conhecimento tem.”
Esta não é apenas uma oportunidade dos designers reflectirem sobre o valor que querem aportar ao seu próprio negócio, mas é sobretudo uma oportunidade para gerar valor e vantagem nos negócios dos seus clientes, conseguindo mais do que nenhum outro profissional ter uma visão holística dos diferentes constrangimentos na concepção de um novo produto. Ter a capacidade de detectar nos diferentes momentos da cadeia de valor, a intervenção necessária para gerar vantagem; seja a mobilizar comunidades; seja a definir dimensões de uma embalagem para preencher uma palete e optimizar o transporte; seja na definição de materiais e redução de componentes e processos; seja na forma mais intuitiva de operar com o um equipamento; seja a destacar-se na prateleira; seja a criar o novo, existe muito espaço para tornar a disciplina absolutamente indispensável e uma das mais relevantes na economia e nas vidas das pessoas. Sem menosprezar a aportação estética que habitualmente esperamos dela, esta é a oportunidade de deixar de fazer só bonecos e afirmar o design industrial como uma disciplina geradora de conhecimento e valor mesurável no crescimento dos negócios das empresas.
Escrito por Daniel Caramelo.
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