O Tamanho (não) Interessa

Sei que não são necessariamente coisas antagónicas, empresas grandes e empresas modelo, mas tendo a seguir o exemplo do Paul Jarvis, e o seu Company of One, e a preferir as coisas pequenas. Não pela parcialidade de quem passou a carreira a trabalhar com os pequenos, mas por desconfiar da capacidade e vontade de se continuar a ser eticamente exemplar quando as coisas assumem uma proporção com demasiadas variáveis para controlar. Uma empresa não deveria poder crescer ao ponto de, quando a mudança for imperativa, não conseguir corrigir a rota sem deixar um rasto de destruição pelo caminho.

Se isto pode ser verdade em algumas empresas tradicionais que cresceram mais do que o necessário, ainda o é mais em negócios com o modelo Silicon Valley, alguns até criados com boas intenções, que rapidamente passam a ter como propósito o crescimento acelerado e a criação de valor para o investidor, um modelo que as leva de ronda em ronda até ao estouro final, que normalmente acontece nas mãos do último a perceber que a coisa nunca será rentável. Tratar esta cultura e estes negócios como “modelo” e apaparicar estes empreendedores, muitas vezes engenheiros acabados de sair do forno e sem qualquer formação em gestão ou ética, parece-me tão inteligente e sustentável como confiar o futuro do planeta ao hedge fund manager só porque ele se veste de Patagónia (ou então ao Ted Cruz). 

Um negócio pequeno, crescendo apenas até onde deve crescer, tem muito mais capacidade para ser um negócio modelo. Estando obrigado a criar valor para o cliente, já que sem ele não sobrevive, está também sujeito a um escrutínio muito direto e de impacto imediato. Trabalho fundamentalmente com design e negócios criativos e para estes o valor está no cocktail que combina coisas díspares como a adequação do que se está a vender à função, a durabilidade, a responsabilidade na escolha dos materiais, a proveniência e a ética no processo de fabrico, a história, estética e o valor artístico e claro, o serviço. Tudo muito facilmente perceptível e valorizado por quem lá deixa o seu dinheiro.

Voltando ao Jarvis, por vezes demora-se a dar a volta e a perceber que um negócio funciona melhor e é mais divertido para quem o gere quando há uma escala que se consegue controlar, uma atitude responsável ao longo da cadeia de valor e uma relação saudável com os clientes. Não esquecendo os muitos negócios bons que existem, há exemplos recentes que admiro, como a Isto.pt, que tem vindo a aumentar de forma coerente e estruturada a sua oferta, sem perder a transparência; a própria Ghome, que parte de uma experiência anterior menos bem sucedida e comum a muitos empreendedores late achievers, que precisam de uma experiência mais convencional primeiro, para construir um caminho sustentável depois; o Saber Fazer, que sem apoios consegue ter um negócio rentável em torno da investigação, educação, produção e venda de matérias primas para quem quer produzir de forma mais responsável; a Iguaneye e o seu fundador que desenvolve continuamente um produto altamente inovador há dez anos, sem nunca ter cedido à tentação de vender a marca, porque assim não poderia aspirar a produzir um sapato que possa vir a ser atirado para o meio da floresta no fim de uma longa vida; a Cru Creative Hub, que passou anos a criar uma comunidade local e reestruturou toda a sua oferta para esta mesma se tornar uma grande valia para todos, incluindo para a saúde financeira e sustentabilidade da empresa. Não são todas Companies of One, mas os seus modelos de negócio, diferentes do habitual, andam lá perto. Os seus promotores são movidos por um amor saudável ao trabalho e estão focados no propósito e na importância daquilo que estão a fazer para todos os que intervêm ao longo da cadeia de valor.

O senão, é que o encanto destas pequenas empresas é muito apetecível para quem quer vender a banha da cobra millennial, como a das inúmeras novas marcas que nos enchem os feeds de coisas superficialmente bonitas, conseguindo ofuscar quem está as fazer as coisas bem feitas. Estas marcas, ao comunicarem um valor que não existe, vendem design escandinavo made in Bangladesh, bem fotografado e com preços sub-IKEA, facilmente digerido no Instagram por quem não se preocupa muito com o que compra. É recorrente entre os designers e artesãos, verem os seus desenhos copiados em produtos sem qualidade que são vendidos por uma fração do preço original.

Há também o extremo oposto, como os que seguem a First Law of Pizza do Seth Goddin e criam esse valor sem se preocuparem com mais nenhuma componente do valor que não seja a qualidade do produto final. É uma coisa que posso comprovar semanalmente na rua onde vivo, onde eu e muitos clientes enfrentamos a épica má disposição do dono de um restaurante pouco bonito, dificilmente um negócio que chamamos de ‘modelo’, para comprar a melhor pizza da cidade. Uma coisa deliciosa que chega a casa ao mesmo tempo que o desabafo “não sei como consigo dar tanto dinheiro a este tipo”.

Escrito por Miguel Barbot

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